2 anos longe de casa
Hoje faz dois anos que saí de casa, em João Pessoa - PB. Durante
todo esse período, o que mais aprendi foi o "aprender" e o
"compartilhar" com o outro e comigo mesma. Aprendi a ressignificar o que
eu chamava de "casa", "lar", "família" e "amigos". Ao passar do tempo,
na convivência, nas trocas, senti que precisei esquecer o que muito
aprendi durante o tempo de universidade e, desaprendendo, aprendi
novamente. Senti no cotidiano que esquecer o que por muitos
anos fui aprendida não era tarefa fácil. Precisei romper com as
barreiras do conhecimento pré estabelecido e formatado e da construção
esperada dos papeis sociais. Percebi, na caminhada, que não sabia me
fazer ser entendida. Sempre que eu tentava falar, nada dizia. Tudo que
eu pensava era complexo demais, difícil demais, trabalhoso demais, ego
demais. E agora? Como aprender a falar simples? Precisei reaprender a
falar e busquei isso na minha infância, com a memória da minha antiga
rua, Rua Maria das Dores Alves da Silva, nome da mãe da minha querida
vizinha. Nesse período, longe de onde eu nasci, encontrei várias casas,
várias famílias, vários amigos. Um universo em expansão se abriu e
mostrou o quão generoso o universo é. Aprendi com a pobreza material dos
muitos que encontrei na estrada e com a miserabilidade de espirito dos
muitos que passaram pelo meu caminho. Aprendi que nem sempre a pessoa
que viaja contigo está, necessariamente, na mesma viagem. Aprendi que
você pode passar uma vida inteira viajando pelo mundo e, mesmo assim,
nunca se encontrar. ou, quem sabe, não sair do seu lugar e se conhecer
profundamente. Aprendi comigo mesma a lidar com o machismo fruto de um
sistema patriarcal e entender o ser homem nesse contexto tão
desumanizador. Percebi que recebi muito mais assédio de homens em outros
contextos sociais (universidade, eventos, congressos) do que quando
pego caronas na BR, contrariando o medo geral das pessoas que
discriminam o Ser Caminhoneiro. Que não é porque a pessoa é viajante que
terá uma mente aberta ou menos preconceituosa. Que não é porque ela foi
escolarizada que terá educação. Aprendi que as ilusões são muitas,
muitas mesmas. E cada ilusão representa uma dimensão de uma realidade,
uma camada, uma bolha. O maior aprendizado foi conhecer um pouco mais
sobre a Natureza Humana e sobre os Comportamentos. Precisei esquecer a
projeção do que esperavam de mim, para me tornar a Kiune que eu nasci
para ser. Foi, sem dúvida, uma longa viagem de autoconhecimento.
Há dois anos eu disse quando saí em viagem:
A melhor coisa que aconteceu foi não ter passado naquela prova de inglês do mestrado e, com isso, ter me dado a possibilidade da incerteza de achar que eu não tenho nada, quando na verdade, eu tenho tudo.
Passado dois anos, novamente, olhando para o que eu disse, só sinto a plenitude de quem foi, sabendo que tinha que ir.
Estou plena.
Assentamento Terra Vista.
Arataca - Bahia
16 de Novembro de 2018
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